Como um designer gaúcho está transformando adolescentes pobres em uma turma de empreendedores verdes do setor de sapatos
Teresa Perosa
Divulgação
O designer Mário Pereira, de 39 anos, queria ser voluntário em um projeto social para melhorar a vida das pessoas de sua cidade, Novo Hamburgo, a 45 quilômetros de Porto Alegre. Em 2000, Pereira fez como a maioria de nós quando quer ser solidária: começou a arrecadar brinquedos e roupas para doar em ocasiões especiais, como o Dia das Crianças e o Natal. Quem ganhava os brinquedos eram crianças da Vila Getúlio Vargas, um bairro da periferia de Novo Hamburgo.
As doações evoluíram. Incorporaram a distribuição mensal de um sopão para pessoas da comunidade e aulas de futebol para a criançada. Mas Pereira e um grupo de amigos envolvido nas atividades perceberam que a iniciativa não era suficiente para fazer diferença na vida daquelas pessoas. Um dos garotos, com quem Pereira jogava bola na escolinha de futebol, foi preso. Ele havia matado um empresário em uma tentativa de assalto. “Descobrimos que ele estava viciado em drogas e, para sustentar o vício, começou a roubar”, diz Pereira. “Entendemos que só dar comida e roupa não melhoraria a vida deles. A gente tinha de tirar aquela molecada da rua e colocá-la sob uma estrutura que ensinasse coisas boas.”
A estrutura pensada por Pereira e seus amigos tomou a forma de uma organização não governamental, o Instituto Villaget, criado em 2004. Lá, jovens entre 14 e 18 anos encontram atividades para mantê-los longe das ruas, como aulas de dança e teatro. Mas o principal objetivo do Instituto Villaget vai além de oferecer opções de recreação. O núcleo conta com um centro de capacitação para ensinar aos jovens uma profissão. “A ideia é que, ao aprender uma profissão, eles terão o rumo da vida em suas mãos”, diz Pereira. Como a fabricação de calçados sustenta parte importante da economia de Novo Hamburgo, o Instituto Villaget decidiu preparar os jovens para trabalhar nessa área. Lá, eles aprendem a desenhar e fabricar calçados. Assim, ao deixar a ONG, têm qualificação para encontrar emprego facilmente no mercado de trabalho da região. Cerca de 60 jovens já passaram pelo curso do Villaget.
As aulas são diárias. Nelas, os adolescentes aprendem todo o processo de fabricação de calçados, do corte e costura à montagem do produto. O curso dura quatro anos. Quando formados, os jovens podem fazer parte da cooperativa montada por alunos que já deixaram o Villaget, chamada Cooperget. A cooperativa, que fabrica calçados, mochilas e carteiras, foi formada há um ano e meio por sete jovens. A produção é vendida em Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Paulo e Vitória. Por mês, são fabricados cerca de 200 pares de tênis e 50 mochilas, que chegam às lojas custando R$ 44,90 e R$ 39,90 respectivamente.
Ricardo Jaeger/ÉPOCA
NA MODA
O designer gaúcho Mário Pereira, ao centro, e os integrantes da Cooperget. Eles usam materiais reciclados para produzir tênis
A produção deverá aumentar em breve porque a Cooperget fechou novas parcerias na feira mais importante do setor calçadista no país, a Francal, realizada em junho, em São Paulo. Os jovens viajaram para expor a marca. “Eu nunca tinha andado de avião”, diz Indiara Martins, de 19 anos, uma das integrantes da cooperativa. “Parece pequeno para quem olha de fora, mas a gente vê quanto o projeto cresceu. É muito empolgante pensar que estou participando disso tudo.” Indiara começou na produção da Cooperget e agora já cuida da contabilidade: entrada de capital, controle de custos e pagamentos. Os salários dos integrantes variam entre R$ 300 e R$ 600, dependendo de quanto tempo cada um tem na cooperativa.
Atentos às necessidades do mercado, os jovens perceberam que investir no uso de materiais reciclados seria uma maneira de baratear os custos e de atrair a atenção de um público cada vez mais exigente com a conservação do planeta. Os jovens da Cooperget aproveitaram a experiência de Pereira, que em seu próprio trabalho produz tênis com materiais ecologicamente corretos, para fazer o mesmo com os produtos da marca. Os tênis e as mochilas são fabricados com lona reciclada, feita a partir das sobras de tecido de confecções, e lona de PET, feita com garrafas de plástico. Outros materiais entram também na produção de carteiras e capas para laptop, como vários tipos de laminados. Alguns são feitos com couro, madeira ou borracha natural e biodegradável, produzida com látex da seringueira.
A Cooperget tem planos para aumentar sua produção e levar a experiência para outras comunidades carentes. Dois novos polos de produção deverão ser abertos, ambos em Novo Hamburgo: um com jovens de baixa renda do bairro Santo Afonso e o outro com mulheres desempregadas da Associação Reciclando. “O objetivo da ONG é justamente este: formar líderes empreendedores e promover o desenvolvimento social”, diz Pereira. Para Paulo César Model, consultor técnico do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos, em Novo Hamburgo, que conhece há cinco anos o trabalho da ONG, o sucesso do projeto é sem precedentes na região. “Muitos desses guris estariam na marginalidade se não fosse o Villaget.”
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